Sete perguntas o médico Vinícius Bicalho

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Diretor Clínico do Hospital Manoel Gonçalves

Dr. Vinícius Bicalho Rodrigues é graduado em Medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Ortopedia e Traumatologia pelo Hospital Felício Rocho. É membro do corpo clínico da Casa de Caridade Manoel Gonçalves de Sousa Moreira desde 2010 e diretor clínico desta instituição desde julho de 2019.

1. Já virou lugar comum dizer da imensa dificuldade, cansaço, estresse etc., porque passam os profissionais da saúde, sobretudo os que estão na linha de frente da pandemia. No entanto, queria que o senhor falasse como está sendo vivenciar esse tempo? O que tem sido mais desafiador?

Este tempo está sendo realmente muito difícil, seja pela incerteza do acerto, pela quantidade de pacientes procurando auxílio médico, pelo grande número de vítimas fatais ou pela pressão de conseguir fazer o melhor mesmo diante das limitações e obstáculos ocasionados pelo que é novo. O mais desafiador é continuar tratando mesmo com as incertezas, mas conscientes que estamos fazendo o nosso melhor dentro do que sabemos e temos.

2. Já se falou muito que a pandemia da Covid-19 é algo muito novo, até mesmo para médicos e outros profissionais que estão à frente do trabalho. Para o senhor, o que é esse novo da doença? De que forma os profissionais da saúde estão aprendendo a lidar com o novo coronavírus?

Tudo é novo, o vírus é novo, seu comportamento, os sintomas ocasionados são variados e a evolução dos pacientes também. Nós não sabemos se deixará sequelas e em caso afirmativo se serão temporárias ou definitivas. Não sabemos se algum medicamento é realmente efetivo, qual será a melhor vacina, se a imunização será temporária ou definitiva. Será que as vacinas de agora tratarão as variantes? Em mais de um ano de pandemia temos mais dúvidas do que certezas. Nós estamos aprendendo com a observação, o mundo todo está passando por isso, vários estudos estão em andamento e todos estão trocando experiências; mas por ser uma doença nova acabamos aprendendo da pior maneira que é a tentativa, erro e acerto. Os estudos estão em andamento, seguimos os protocolos sugeridos e aguardamos as conclusões desses para ter um norte a seguir.

3. Qual é a avaliação que o senhor faz de um ano de pandemia? O que é preciso fazer (ou continuar fazendo) para que as pessoas compreendam a gravidade do momento?

Foi um ano sofrido. Comércios e empresas falidas, pessoas isoladas em casa, desemprego crescente, muitas vítimas, muitas famílias enlutadas, são milhares de pessoas diretamente afetadas. Basta um olhar ao redor para identificar pessoas conhecidas, parentes, amigos ou vizinhos que sucumbiram pela doença, direta ou indiretamente. Chegamos num ponto que não precisamos ver TV ou ler jornais para acreditar na gravidade da pandemia, é só olhar em volta. Não podemos é fechar os olhos para a situação. Não adianta negar os fatos. O pior cego é aquele que não quer enxergar.

4. No seu entendimento, a pandemia poderia ter sido menos destruidora e não ter se prolongado por tanto tempo? Existem falhas dos gestores de saúde e de políticas públicas do país para que o caos se instalasse?

Não, o mundo inteiro continua afetado, existem lugares que estão na chamada primeira onda, outros na segunda e alguns já caminhando para terceira. Aqui não está sendo diferente, não podemos jogar a culpa nos gestores, no presidente, no governador ou no prefeito. A culpa real é nossa, é da população, é obrigação pessoal nos precaver e comportar como orientam os protocolos, mas as pessoas estão os desrespeitando. Cada um tem o seu livre-arbítrio, mas tem que existir a consciência de que a liberdade individual termina quando começa a do outro. Quando não nos protegemos colocamos em risco a saúde dos nossos próximos e também nos tornamos responsáveis pelo triste desfecho deles. É claro que falta um consenso nacional em relação às medidas e protocolos sanitários a serem seguidos, o exemplo deveria vir de cima e ser aplicado por todos. Temos que lembrar que existem comissões de especialistas em saúde que após discussões determinam as normas a serem seguidos e que devem ser respeitadas.

5. É possível fazer uma previsão de como estará a população brasileira, e de nossa cidade, quando tudo isso passar? Aliás, é possível prever quando tudo isso irá acabar?

Infelizmente não é possível prever quando tudo acabará, dependemos da formação de imunidade na maioria da população e isso leva tempo, não sabemos se as mutações do vírus levarão a necessidade de novas vacinas, se essas que estamos recebendo serão eficazes agora e no futuro. Acredito que essa pandemia levará a uma mudança no pensamento de coletividade no mundo, todos perceberam o real significado da palavra globalização, a doença afetou a todos mas também causou a união em torno de uma causa comum, que é a criação de um tratamento, de uma vacina, de uma cura. O povo percebeu que não interessa o país, a classe sócio econômica, a cor ou religião, todos foram afetados e precisarão dos mesmos tratamentos porque todos somos iguais, somos seres humanos. Cabe também a nós fazermos nossa parte.

6. A fala é quase que unânime com relação à morosidade da vacinação. A culpa é mesmo da falta de política e planejamento em nível nacional para que mais pessoas e em menor tempo tivessem sido imunizadas?

O Brasil sempre foi uma referência internacional na questão de vacinação em massa. Temos um calendário vacinal exemplar e acessível a todos gratuitamente. Realmente estamos aquém do que conseguimos realizar mas existem vários fatores que causam essa morosidade tais como a fabricação de um produto novo, a distribuição em um extenso território nacional, o acondicionamento adequado, a alta e rápida demanda, dentre outros fatores. No início ficamos dependentes da importação das vacinas, depois ficamos dependentes da importação da matéria prima. Agora já superamos essa fase e o Brasil é um dos poucos países no mundo capaz de fabricar a vacina. Provavelmente nas próximas semanas teremos um grande número de vacinados. Temos que levar em consideração que mesmo com uma porcentagem baixa de vacinados o número de doses já está na casa dos milhares o que daria para vacinar populações inteiras de outros países menores.

7. Qual é a opinião do senhor acerca do propalado tratamento precoce contra a Covid-19? Em se confirmando as falhas do uso de medicamentos preventivos quem será responsabilizado?

A questão de maior discussão atualmente é o chamado tratamento precoce. A boa medicina é baseada em evidências e estudos clínicos e não no achismo. Vários tratamentos e medicamentos estão sendo testados e estudados no momento, e a principal prova de eficácia é quando um grande grupo de pessoas submetidas a determinado procedimento demonstra uma melhora clínica em sua maioria e principalmente quando este mesmo procedimento tem reprodutibilidade, ou seja, se aplicado em uma grande população em qualquer lugar do planeta os mesmos efeitos benéficos são alcançados. Infelizmente isso não ocorre com esses medicamentos do chamado “kit covid” para tratamento precoce. Seria até muita presunção da nossa parte achar que somente nós que estamos fazendo esse tratamento estamos certos no mundo, e se realmente fosse verdade não teríamos esse número alarmante de casos e mortes já que alguns médicos no brasil lançam mão desse tratamento. Temos que tomar cuidado com fake news ou informações veiculadas em canais de informação duvidosos. Hoje em dia os dados são transparentes a todos, antes de acreditar em algo basta fazer uma pesquisa na internet para procurar a verdade. Os dados epidemiológicos de todos os municípios do Brasil podem ser acessados por qualquer um. Se você quiser descobrir se determinada cidade faz algum tratamento especifico e se é eficaz basta procurar pelo número de casos ativos, de óbitos notificados e ocupação de leitos de enfermaria e CTI. O Conselho Federal de Medicina dá autonomia para o médico tratar seus pacientes como desejar, e graças ao pioneirismo do uso de alguns medicamentos ou tratamentos grandes descobertas são feitas e isso também faz parte da medicina. No momento temos mais dúvidas do que certezas e ninguém pode ser punido por tentar fazer o que acha ser o melhor para seu paciente. A partir do momento que for comprovado por estudos que determinadas drogas ou tratamentos são ineficazes ou deletérios para saúde o médico que insistir em prescrevê-los pode ser responsabilizado por tal fato.

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