O médico e homem de teatro Marco Antônio de Oliveira Machado Lara ou Cotonho, como é tratado por muitos amigos, é nascido e criado em Itaúna, “a típica cidade do interior de minas que dispensa comentários, com suas tradições e seus valores”. Há muitos anos mora em Belo Horizonte, mas não deixa de estar em Itaúna quase todo final de semana. “Fui criado no seio de uma família baseada nos melhores preceitos de educação e humanidade. Esta base me faz uma pessoa feliz e disponível para o outro. Acho que por isto, “me encontrei” na minha profissão de médico e no ofício com a cultura e as artes. Uma boa mistura que forma minha identidade”, pontuou.
1. Você está envolvido com uma série de projetos culturais, especialmente sobre a história do Teatro em Itaúna. Fale um pouco sobre esses projetos. Há incentivos públicos para viabilizar e executar financeiramente essas atividades?
Pois é… Foi uma ideia que surgiu quando nosso grupo comemorou 40 anos de atividade teatrais. Começamos a rever nossa própria história e entender a necessidade de ir mais fundo no conhecimento de nosso passado. Aí, surgiu a ideia de fazer um amplo resgate, coletando dados, documentos e fotos para conhecer melhor e divulgar a gloriosa história de nossa formação cultural, desde os primórdios. Enviamos projeto para o Fundo Estadual de Cultura e para a Lei Federal de Incentivo à Cultura e conseguimos aprovação com alta pontuação em todos os itens analisados, devido à importância deste projeto para a história não só de nossa cidade, mas de nosso Estado e de nosso país, uma vez que este projeto mostra como se deu a formação cultural de uma pequena cidade do interior de Minas, com suas características individuais. A verba do Fundo Estadual de Cultura chega para o projeto, sem intermediação de empresas do setor privado. Já, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, tivemos a adesão imediata e total do grupo J Mendes, uma das empreses itaunenses de maior destaque no cenário nacional, que fez o aporte financeiro através dos mecanismos de renúncia fiscal, demonstrando o cumprimento de seu papel social em relação à nossa cidade.
2. A pandemia da Covid-19 tem dificultado o andamento desses projetos? Para a realização de eventos, como vocês estão lidando com a possibilidade de não haver maior participação do público, por causa das aglomerações?
Se não fosse a pandemia, já teríamos lançado o projeto, que se constitui na edição de um livro, na montagem de uma exposição no Museu Municipal e na remontagem da peça “A Esperteza do Rato”, que é a mesma peça que foi montada pelos artistas itaunenses em 1877. Assim que a pandemia permitir, faremos o lançamento. Para a abertura da exposição e o lançamento do livro estamos programando um evento que será realizado ao ar livre, na Praça da Estação, dando início às ações culturais no período pós-pandemia. A entrada para o interior do Museu, quando permitida pelas autoridades sanitárias, vai respeitar o limite de segurança do número de pessoas dentro do espaço, e assim que possível, vamos fazer também um trabalho de Educação Patrimonial com toda rede estudantil da cidade. O espetáculo também fica aguardando o momento certo para ser aberto ao público, com todos os cuidados relacionados ao enfrentamento da pandemia. Tudo realizado com segurança e tranquilidade. Vai ser muito legal poder rever, hoje, uma peça que foi montada há quase um século e meio, pelos nossos antepassados. Diante da gravidade da pandemia, temos que ter paciência e esperar o tempo certo para oferecer o projeto ao público.
3. E falando em público, como o diretor teatral e também grande consumidor de arte está lidando com os teatros e cinemas fechados? Na sua opinião, que o poder público pode fazer para acudir os artistas que não podem trabalhar nessa pandemia?
O contato das pessoas com as obras de arte, em todas as suas formas, sejam musicais, cênicas ou visuais, é uma forma de alimentar o espírito. Eu, pessoalmente, não gosto muito das lives e coisas do gênero. Prefiro o contato ao vivo, pulsante, gosto de ver as gotas de suor, gosto de ver as lágrimas brilhando ao vivo nas cenas de emoção… Não só o público está sentido falta disso, mas principalmente os artistas, de sentir a energia das plateias… No Brasil, a Lei Aldir Blanc está cumprindo seu papel de acudir os artistas neste momento difícil. Muitos recursos chegaram ao nosso Estado e ao nosso Município. Um exemplo vivo deste período, ficará para sempre estampado nos muros da Casa do Idoso, da Fundação Frederico Ozanan de Itaúna, que foram pintados com recursos públicos da Lei Emergencial para a Cultura.
4. Marco Antônio, vamos retornar à sua trajetória no teatro itaunense. Como foi o seu início no teatro e a partir de quando você teve interesse em recontar a história de Itaúna através das artes cênicas?
A primeira peça de teatro que eu vi na minha vida foi a montagem de “Pluft, o Fantasminha”, no Colégio Santana, dirigido pela Dona Yedda. Foi um encantamento imediato e profundo e acho que foi neste momento que vi uma vertente da minha vida se abrir para o teatro. Gostei da magia daquele espaço cênico, de suas possibilidades, das metáforas e logo em seguida, fiz uma peça com o Jeovah, que considero minha pré-estreia no teatro. Mas considero mesmo o começo da minha história no teatro de Itaúna, quando, sob o incentivo dos professores, encenamos o Pagador de Promessas no Colégio Estadual. Logo em seguida, conhecemos o Sérgio Mibielli, que foi nosso grande mestre e o grande responsável por nos colocar nos trilhos do bom teatro, comprometido com o nosso tempo, com nossas questões e nossos talentos.
5. Dos espetáculos construídos sob a sua direção, qual é o mais emblemático? Quem são suas referências teatrais?
Essa pergunta é um pouco difícil… Mas acho que não vou errar em dizer que foi a montagem da opereta “As Cigarras do Sertão”, pelo que ela simboliza na história do teatro em Itaúna. Ela foi o ápice de um período de produção cultural que ocorreu nos idos de 1920 e a nossa remontagem fez repetir no início do ano 2000, todo o vigor dos áureos tempos efervescentes do passado.
Minhas referências teatrais são muito diversas. A literatura dramática, incluindo aí os clássicos gregos, Shakespeare, Racine, a dramaturgia francesa incluindo Eugène Ionesco (que estudei bastante e que é uma paixão especial para mim) e os clássicos brasileiros. Outra fonte de referência para mim, que foi muito rica, foi ter conhecido e frequentado os principais teatros do mundo, na Europa, Estados Unidos e América do Sul, onde vi espetáculos belíssimos, muito elaborados, que sempre foram, cada um, como uma aula de teatro para mim. Adoro a Ópera de Paris, a Comèdie Française, o Thèatre de La Ville, o Theatro de La Huchette, o Brooklin Academie of Music, o Salzbur Marionette Theater, dentre outros, onde sinto que bebi em fontes muito preciosas. Em BH, eu era “rato” de todos os teatros: Francisco Nunes, Teatro Marília, o Teatro da Imprensa Oficial, o Palácio das Artes. Já assisti incontáveis espetáculos. Tenho uma coleção enorme de programas de teatro e de ingressos de teatro que testemunham todas as minhas influências. E digo que foram muitas.
6. Como o homem de teatro concilia suas atividades com a de médico neurologista? Já passou por sua cabeça alguma vez largar tudo e se dedicar integralmente ao teatro?
É uma experiência incrível, por que a medicina e o teatro lidam com o ser humano de formas muito diferentes e complementares. A medicina como ciência, pode ser humanizada pela experiência adquirida do teatro, que investiga os múltiplos aspectos da alma humana. Não conseguiria viver sem um ou o outro. São pilares que me sustentam. Adoro o que faço e não saberia escolher apenas um destes caminhos…
7. Envolvido com a História do Teatro em Itaúna, conte um pouco para nós o que tem sido revelado nessas buscas. Quem são os personagens de destaque de suas pesquisas?
Para mim, o que ficou mais marcado, foi a riqueza de nosso passado. O valor intelectual e cultural que foi cultivado e que nos chegou pelo DNA itaunense, que tem vocação para as artes. Se eu me pergunto: Qual foi o exemplo que as gerações e gerações de pessoas que fizeram teatro em Itaúna deixaram para nós? Eu não êxito em responder: foi um exemplo de luta. De construção de uma história. Que nós temos obrigação de reverenciar, de continuar, de criar meios para um futuro melhor para as gerações futuras, através da preservação de nossa história e de nossos bens culturais conquistados. Além dos personagens da história do teatro itaunense, já conhecidos por todos como o Mário Matos, o Sílvio de Matos e o Lique (Péricles Gomide), para mim foi uma grande surpresa saber que várias outras pessoas de destaque na cidade também tinham se dedicado ao teatro, como por exemplo o José Flávio de Carvalho (Juca Flávio), que foi grande incentivador do esporte em Itaúna, cujo estádio de futebol leva seu nome. Ele foi elemento fundamental para o teatro de Itaúna, tendo atuado em inúmeras peças desde os idos de 1894 até 1925. Outra pessoa foi o Tácito Nogueira, cujo nome já era do meu imaginário desde criança, pois a loja do meu pai era na rua que tem o nome dele. Descobri nas pesquisas que ele também foi um cara fundamental; eles o chamavam de “iniciador”, pois era a pessoa que aglomerava as pessoas em torno das ideias e fazia tudo acontecer. Eu me identifiquei muito com ele, pois acho que tenho esse perfil no campo das artes em Itaúna.