A família brasileira é mesmo tradicional?

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foto: https://museudoamanha.org.br/pt-br/artigo-lacos-de-familia

Como um tema ou ideologia em voga no Brasil com força ainda mais exponencial nos últimos anos, a defesa da “família tradicional brasileira” tomou palanques, púlpitos e até mesmo salas de aula. Como algo que geralmente se baseia em perspectivas religiosas, essa cruzada acabou adentrando outros espaços, deixando de habitar apenas os ambientes privados para se tornar um protótipo pregado também na esfera pública. Basta lembrarmos de alguns lemas políticos e partidários, mesmo que o Brasil se configure como um Estado laico, constitucionalmente. Mas há um erro na afirmação de que a família brasileira é tradicional. Um erro genealógico e estatístico, inclusive.

 Na sua origem, as primeiras famílias do território nacional em nada se assemelhavam aos modelos vistos nas propagandas de margarina, hoje. “A verdade é que, entre os indígenas, os códigos sexuais nada tinham em comum com o puritanismo ocidental daquela época”, afirma João Silvério Trevisan que relata também que “o viajante holandês Joan Nieuhof, que visitou o Brasil no século XVII, afirmava ter conhecido um cacique chamado Janduí, com 120 anos e cinquenta esposas” (TREVISAN, 2018, p.63). Se somos um país originalmente indígena, é impossível pensarmos a história da nossa constituição sem levarmos em conta que, na verdade, esse “modelo tradicional” foi importado, adotado à força, nada de forma natural.

No campo estatístico e contemporâneo, também não há registros de unicidade de modelo que se assemelhe a ele. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2015, mostram, por exemplo, que o tradicional arranjo ocupava 42,3% dos lares pesquisados, naquele ano, e que são as novas tendências que vêm sendo fortificadas, pois “quase um em cada cinco lares era composto apenas por casais sem filhos (19,9%), enquanto que em 14,4% das casas só havia um morador”. Outro dado importante é que, depois de 2018, o número de casamentos entre pessoas LGBTs cresceu 340%, segundo a pesquisa do IBGE do mesmo ano.

Isso quer dizer, então, que devemos adotar um modelo exclusivo que seja contrário ao tradicional? Não. Isso quer dizer, na verdade, duas coisas. A primeira é que se trata de uma falácia afirmar que o modelo “pai – mãe – filhos” é o único e o maior quantitativamente ou que tudo começou assim.  A segunda coisa é que não há nada de mais quando a configuração de um lar é diferente daquela proposta por alguma instância mais tradicional, tal como quem deseja para si o “modelo de margarina” não está errado.

Não há “errado” sobre isso. Nem “certo”. O que há é gente que pensa que apenas o próprio desejo é o ideal.

Referências:

TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. 4.ª ed. rev. atual. e amp. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018.

Nilmar Silva é Psicólogo (CRP 04/47630) e Filósofo, Especializando em Sexualidade, Gênero e Direitos Humanos; Especialista em Docência do Ensino Superior e MBA em Gestão de Pessoas. Atua clinicamente com foco na Saúde Mental de pessoas LGBTQIA+.

@psicologo_nilmar

psicologonilmar@gmail.com

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