QUE HISTÓRIA É ESSA

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Fubá

*Sílvio Bernardes

Eu não dei um último adeus ao Fubá, morto na semana passada. Pobre, preto, simples engraxador de sapatos, como um dia eu o fui, na mesma praça da matriz. A última vez que eu o vi, em agosto de 2021, ele estava já muito doente. Diagnosticado com câncer, acabara de receber a notícia de que seria homenageado pela Câmara Municipal com u’a moção de congratulações. A homenagem foi cancelada depois que souberam de sua doença e de suas necessidades mais prementes. O Fubá – ou melhor, o Expedito Ferreira da Silva –, não precisava de um papel lustrado (como os sapatos que ele engraxava), com o timbre oficial da edilidade itaunense, contendo uma mensagem bonita enaltecendo “seus relevantes serviços prestados ao município”. Grande coisa, diria. Ele precisava – e já os tinha – era de tratamento médico, alguma ajuda financeira para minorar suas dificuldades de subempregado e o acolhimento dos amigos.

Fubá morreu de câncer há poucos dias. Em silêncio. Partiu sereno no meio de uma campanha eleitoral muito acirrada, em que a maioria das pessoas tinha mais com que se preocupar. Gritos, bandeiras, santinhos, tapinhas nas costas, fundo eleitoral milionário distribuído entre os candidatos, promessas, sorrisos, promessas,  sorrisos, promessas,  sorrisos… não havia lugar para se lembrar do Fubá, esse pobre engraxate da praça da matriz.

Noutros tempos, mais precisamente nos anos de 1970, também fui engraxate. Um tempo bom em que as pessoas usavam sapato e não tênis ou sapatênis (aff), que não pedem graxa, que não têm graxa nenhuma.  Fui engraxate na praça da matriz junto com outros dois irmãos do Fubá, os precursores da alcunha fubalina: o Carlos Fubá e o Fernando Fubá, que o anteciparam na viagem de retorno à pátria espiritual. Era tudo farinha do mesmo saco.

Engraxates, éramos uma corriola de gente que se prestava a lustrar os sapatos da gente bem em troca de algumas moedas para ajudar no orçamento da família e para as matinês do Cine Rex no domingo. Eu, o Miúdo, o Mais Grande, o Vão, o Pinguinho, o Deja, o Maurício, o Dreifus, a Natalice, o Manezinho, o Tuíra, o Hélio Bicudo, o Loro, o Pão Véio, o Baianinho etc. formávamos uma confraria de gente desimportante. Uns pivetes sujos e arruaceiros que até nadavam quase pelados no laguinho da fonte luminosa e ficavam falando indecência o dia todo. O Fubá pequeno, o Expedito, não era desse tempo. Veio depois, quando eu já não atuava nesse ramo, estava na busca de outras praças e clientes e abandonei de vez a caixa de engraxate. Por esse tempo perdi minha mocidade nalguma parte da memória.

As únicas referências de engraxate nessa minha cidade residiam naquela figura pobre, que andava meio curvada e que teimava em buscar sapatos em meio a tantos tênis, sandálias e sapatênis sem graxa.  Depois, reencontrei o Fubá – no meio da pandemia da Covid-19 –, mais velho,  doente, quase não dava conta de emprestar o brilho nos parcos sapatos que pisavam o chão estranho da praça da matriz.   

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