Priscila Messiane é psicóloga com atuação Clínica e Social, lésbica, defensora dos Direitos Humanos, ativista, oficineira e militante da comunidade LGBTQIA+. É coordenadora da Comissão Psicologia, Mulheres e questões de Gênero do CRP- MG, Subsede Centro Oeste).
1. Historicamente a data de 18 de maio é muito significativa para não somente a saúde mental no país, mas para todos os profissionais que lidam com a questão. Conte um pouco para nós, o que é Luta Antimanicomial e qual é seu envolvimento com essa luta. Suas experiências em Itaúna e noutros municípios.
O nascimento da Marcha tem como marco o ano de 1987. Uso a palavra nascimento pois, antes dessa data, em que tivemos a I Conferência Nacional de Saúde Mental, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ e II Congresso Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental, vários movimentos políticos denunciando as violações destas instituições, os manicômios especialmente Barbacena, no nosso estado. Dentro dessas denúncias, é importante ressaltar a influência de Franco Basaglia, psiquiatra Italiano que leva a imprensa internacional a conhecer a tortura e diversas violações feitas aos usuários destas instituições. A marcha da Luta Antimaniomial, para que não me estenda muito, poderia ser resumida a três pontos: Ocupar com Dignidade e Liberdade. Quando do instante de desinstitucionalização dos usuários, muitos não sabiam usar banheiros, comer com talheres, apresentaram dificuldades de dormir em uma cama, lidar com a luz e banho quente. Estas coisas que para quem nos lê podem parecer tão básicas, eram itens de luxo e essa mínima dignidade humana deve ser vivida por todos, em qualquer lugar e espaço. Daí a lógica de ocupar com dignidade e liberdade. Enquanto sociedade, possuímos ainda uma forte inclinação higienista e excludente, isto é, preferimos afastar para longe dos nossos olhos aqueles que não produzem economicamente e socialmente uma dita “normalidade”. Eu residi por 11 anos em Belo Horizonte, me formei lá e tenho acompanhado a Marcha há anos. Tive o prazer de encontrar colegas e usuários itaunenses em BH e digo é uma festa da vida; desde preparar as roupas até o sentido artístico presente nas cores daquelas fantasias. Estar na rua é um movimento de saúde e de liberdade. Os mais diversos profissionais da Saúde ocupam as vias, muitas vezes de braços dados, no caso de usuários com questões mais severas, proporcionando uma liberdade nessa caminhada e reafirmando como nos dizia Basaglia “a Liberdade é Terapêutica”.
2. O 18 de maio de 2021 não foi tão lembrado como em outras oportunidades. Isso se deve à pandemia da Covid-19? O que você sabe das atividades realizadas em nossa cidade com relação à data?
A sua pergunta reafirma o que eu disse anteriormente, a lógica de ocupar a rua, reafirma politicamente o direito de ir e vir e da liberdade aos nossos usuários. Acredito que não há serviço na Saúde que não tenha sido afetado em detrimento da pandemia. Mas sei, pelos colegas de profissão, que dentro do possível, nos serviços em funcionamento, a atividade foi celebrada e comemorada com os usuários, mas logicamente por precaução e cuidado não aglomeramos e nem ocupamos as ruas, infelizmente.
3. Falando em luta antimanicomial, um dos aspectos mais relevantes das atividades terapêuticas para as doenças mentais é a arte. Você, como artista e profissional da psicologia, tem visto esse processo de atuação sendo aplicado de forma efetiva pelos profissionais e os estabelecimentos de saúde mental? Você tem conhecimento dessa prática em Itaúna?
Em um estágio que fiz em BH, uma senhora após diversas perdas, começou a se expressar através de quadros delirantes e uma das estratégias que ela escolheu usar foi o bordado. Ela desenhava seus delírios e dores através do bordado e isso a organizava e lhe fazia bem. A arte, bem como outras atividades lúdicas, promove saúde e convivência afetiva consigo e com outras pessoas. Em Itaúna, nos nossos serviços, esta é uma estratégia amplamente utilizada. Outro dia mesmo tive a oportunidade de ver uma tarde de cantoria com nossos usuários.
4. Conte para nós como é a atuação dos CAPS no tratamento de doentes mentais? Que tipo de atendimento essas pessoas recebem nesses ambientes? E os ambulatórios chamados de Hospital Dia?
Os Centros de Atenção Psicossociais, que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), são equipamentos da saúde mental que promovem atendimento humanizado, por uma lógica do cuidar, combatendo a preconceitos, visando a autonomia e a vida comunitária dos nossos usuários. Tudo isso integrado ao vinculo familiar. Os CAPS são um serviço substitutivo do modelo asilar. O que muitos ainda conhecem como hospital-dia se trata do CAPS II do nosso município, que acolhe urgências e crises provindas de transtornos mentais mais graves, com uma equipe multiprofissional, utilizando de estratégias para o cuidado e acompanhamento dos usuários e familiares.
5. Mudando um pouco de assunto, a Priscilla Messiane é uma pessoa atuante nas lutas pelos direitos sociais como um todo, especialmente contra a homofobia. Fale para nós dessa sua atuação. Estamos vivenciando dias de lutas inglórias ou a cada momento há um novo móvel para que as ações ganhem combustível e energia?
Olha, não há quem não esteja levemente saturado de defender Direitos que nos são básicos e nos últimos anos, desde 2016, estão em um constante retrocesso, com modificações de legislações que, a duras penas, havíamos conseguido. Apesar disso, não podemos e não vamos parar e nos calar; somos um país que já passou por diversos processos de silenciamento e eu acredito que é na luta coletiva pela liberdade e respeito a diversidade que alcançamos a garantia e execução dos nossos direitos. O Brasil segue sendo uma nação que permanece exterminando e violando pessoas pertencentes a comunidade LGBTQIA+, bem como negros, pobres e mulheres. É uma luta cotidiana, pedindo posicionamento sobre uma piada violadora na fila do supermercado, até cobrar dos representantes eleitos legislações que protejam e reafirmem a dignidade humana. Mesmo cansados, seguimos em bom combate.
6. A pandemia da Covid-19 é um empecilho para que as mobilizações presenciais aconteçam. Porém, o que fazer para que a luta continue?
Dialogar, dialogar. Permanecer nos posicionando. Devido a pandemia, hoje as manifestações estão muito mais virtualizadas e não adianta “falar para lacrar”. Eu acredito muito ainda no bom diálogo e troca de ideias. Obviamente que isso não é sempre possível, porém as mídias sociais são uma ferramenta poderosa, que alcança uma gama variada de pessoas. Temos o dever de não permitir que alguns fatos caiam no esquecimento, sejam tornados naturais ou amenizados e para que lembremos, precisamos nos posicionar sem neutralidade.
7. Você que é da área, o que pensa quando as pessoas chamam de doido o presidente da República Jair Bolsonaro? Você concorda com isso?
Usar este rótulo para o Presidente, quer dizer que ele seria inimputável, isto é, um indivíduo incapaz de discernir sobre seus atos, incapaz de avaliar o que seria uma violação ou não. O que não é o caso. O presidente está em perfeito juízo de valor e atua de maneira a colaborar com o desgoverno e a vergonha internacional que nosso país vive. Chamá-lo de “doido” é minimizar a sua atuação necropolítica, uma política de morte.