Sílvio Bernardes
O Juraci e a Juraci eram meio que vizinhos. Moravam umas duas quadras de distância. E havia muita confusão nessa situação, embora o Juraci, velho comerciante, não fosse nem parente de longe da jovem Juraci, estudante do ensino ginasial. O povo, desavisado, sempre confundia o Juraci com a Juraci. Não falo fisicamente, porque nada a ver o Juraci com a Juraci. O problema que acontecia com muita frequência era nas conversas de comadres (e compadres) e nas pequenas situações da vida cotidiana. O Juraci tinha bigode e o cabelo era grisalho. Era alto, magro e conversava arrastado. Fumava cigarro de palha e usava óculos. Já a Juraci, era uma mocinha morena e pequetita, de longas madeixas encaracoladas, sempre sorridente – a não ser quando havia confusão com o tal do Juraci –, e que ia para a escola com uma pasta preta e uma merendeira cor de rosa. Mascava chicletes ping-pong e fazia bolas enormes na rua, em casa, em qualquer lugar em que estivesse ruminando aquela goma de cheiro adocicado. Houve um tempo em que o nome da Juraci fora equivocadamente incluído na lista do SPC por causa do Juraci. A mocinha figurara na tabela dos Maus Pagadores por causa dum cano que o Juraci dera numa loja da cidade. Acho que foi por esquecimento mesmo, já que ele não era assim um inadimplente espontâneo. De outra feita, por causa de um namoradinho da escola, o Juraci ganhou fama (e muita zoação) por que brigara e levara uns pescoções de uma colega à porta do grupo escolar. Não foi Juraci, não é a Juraci… cês tão confundindo alhos com bugalhos, catraca de canhão com conhaque de alcatrão, tão pensando que crocodilo é cocô de grilo.
Mas, a história lá na cidade, dizem, é que a Juraci levou a culpa por causa de umas coisas erradas que o Juraci fez e vice-versa. Tenho visto com frequência o Juraci ali pelos lados do Mirante. Tá um veinho esperto, a bengala não o impede de andar por todas as quinze bandas e nem de fumar o seu pito de palha, em casa, na rua, em qualquer lugar em que esteja soltando sua fumacinha de cheiro agradável. Outro dia encontrei a Juraci na rua, custei a conhecer. Virou uma mulher sacudidona. É advogada e anda toda embonecada. Domina com maestria os meandros causídicos e sabe recitar o Vade Mecum fluentemente. Mudou a aparência e trocou de nome – e de marido uma meia dúzia de vezes. Já nem se lembra que se chamou, um dia, Juraci. Seu nome agora é Gessy, com Y. Aliás, Dra. Gessy, para diferenciar – ela diz rilhando os dentes – de um oficial de justiça do Fórum, um tal Gessy.