Sete perguntas para a escritora, arquiteta e urbanista Ana Luíza Freitas

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Ana Luíza Pereira de Freitas tem 27 anos é escritora desde os 12 anos, com três livros publicados. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Itaúna se especializou em Planejamento Ambiental Urbano e Produção Social do Espaço pela PUC-Minas, instituição onde hoje se especializa também em Direito Imobiliário. Ana Luíza trabalhou entre 2014 a 2019 na Secretaria de Regulação Urbana e atualmente trabalha na Secretaria de Política Urbana da Prefeitura de Belo Horizonte.

1- Já são três livros publicados e constantes participações em projetos de literatura e noutros ramos da arte. Quando você se descobriu como escritora? E como sua família participou dessa descoberta? E as publicações em livros, quando vieram?

Sempre fui inquieta em relação à arte, procurei participar e experimentar um pouco de todas elas. A escrita me ganhou aos 12 anos, quando comecei a escrever de forma despretensiosa, com o objetivo único de expressar questões que passavam pela minha cabeça. A princípio criei um blog anônimo onde postava minhas produções. A primeira pessoa a saber que eu escrevia foi Pedro, meu professor de literatura do ensino médio e amigo pra vida. Então acabei contando também para os meus pais e eles foram os maiores incentivadores e responsáveis pelo lançamento do meu primeiro livro, O Colecionador de Contos, de 2014. É uma coletânea de contos e crônicas escritas entre os meus 16 e 18 anos. Já o segundo livro, A Parte do laço que aperta, de 2018, começou como um conto, que escrevi e ficou esquecido. À época eu estava muito atarefada com trabalhos acadêmicos e um dia me veio uma grande agonia por não estar produzindo literatura. Revendo textos antigos, encontrei esse conto e dei continuidade a ele. Em uma semana, tinha um romance. Por fim, o meu terceiro livro, Versos emprestados e não poemas, de 2020, vem de um processo inesperado e delicioso de criação. Dois grandes amigos e escritores, Ítalo Rangel e Jonas Vieira, começaram a me enviar pequenos versos ou frases que eu completava até se tornarem poemas. Daí o nome do livro.

2- A literatura caminhou juntamente com a arquitetura e urbanismo? Como essas duas vertentes de artes se encontraram em sua vida e como elas convivem hoje?

A literatura chegou primeiro e foi uma constante em todo o caminho da arquitetura e do urbanismo, seja na conceituação de projetos ou mesmo enquanto inspiração. E o caminho inverso também aconteceu. Minhas maiores inspirações literárias eu encontro na vivência da cidade, na dinâmica urbana, nas ruas. Estamos, o tempo todo, cercados tanto de arquitetura quanto de urbanismo. Os olhos da literatura nos permitem enxergar todo esse concreto com um tanto mais de poesia.

3- Você é uma das fundadoras da Academia Itaunense de Letras. Como foi sua participação no nascimento da AILE e atualmente como estão suas atividades com a entidade?

Eu fazia parte do Grupo de Escritores Itaunenses, que impulsionou a criação da AILE. À época eu fui convidada a ocupar a posição de acadêmica fundadora e compor a diretoria enquanto 2ª Secretária. Itaúna, com o grande número de artistas que possui, além do título de Cidade Educativa, merecia uma instituição que tivesse como princípio zelar pela cultura escrita e divulga-la. Atualmente, como tantos outros aspectos da nossa vida, a AILE está com suas atividades reduzidas em decorrência da pandemia. Minhas expectativas para a Academia são boas, espero por uma troca de gestão que realize projetos acessíveis e inclusivos para comunidade de forma geral, além de um novo ânimo informal e inspirador, como deve ser tudo que se relaciona a criação.

4- A arte e a pandemia da Covid-19. Sua arte e suas atividades com projetos arquitetônicos/urbanísticos foram ou estão sendo muito impactados pelo coronavírus? O que você tem feito diante essa situação?

Como eu trabalho com parcelamento de solo na PBH, não faço mais projetos arquitetônicos, apenas algumas consultorias pontuais. Mas ainda assim, houve impacto. Em relação ao trabalho na Prefeitura, estou em regime remoto, inclusive aproveitei para voltar pra Itaúna. Já no campo projetual, perde-se muito. Reuniões de elaboração ou apresentação de projeto são indiscutivelmente melhores de forma presencial, além da escolha de materiais e mobiliário que não dispensa a proximidade e, muitas vezes, o toque. Mas no campo da arte eu desenvolvo junto aos amigos Matheus Alcântara e Geraldo Fonte Boa o Projeto Palavrear, que é uma roda de conversa para conversar sobre temas relacionados a arte e cultura. Fazíamos o evento presencialmente no Café do Capitão, nosso parceiro. Com a pandemia as edições passaram a ser realizadas de forma online. Como faz falta o contato pra se discutir boas ideias!

5- Vamos falar de arquitetura e urbanismo, mais especificamente do Plano Diretor de Itaúna. Ele está já algum tempo para ser votado na Câmara. Muitas idas e vindas entre os poderes e o projeto do novo PD contou até com medidas restritivas por parte do Ministério Público. O que acontece com essa proposição? Por que o Plano Diretor sofreu tantos remendos? 

Planos Diretores são objetos complexos tanto para elaboração quanto para revisão. Essa legislação urbanística é prevista pelo Estatuto da Cidade. O Plano Diretor, em teoria, como o próprio nome sugere, é o que vai guiar o gestor público em relação, por exemplo, ao direcionamento econômico, à aplicação de políticas públicas, aos vetores de expansão territorial da cidade, dentre outros aspectos sociais, culturais, patrimoniais e ambientais. Ainda, é papel do PD regulamentar sobre a ocupação do solo no que diz respeito aos parâmetros urbanísticos e edilícios, considerando sua capacidade de suporte, infraestrutura, e aspectos ambientais. Essa legislação deve ser revista a cada 10 anos, no máximo. Hoje está vigente em Itaúna um Plano Diretor elaborado em 2008, que teve seu processo de construção premiado. A revisão deveria constar aprovada em 2018. Neste sentido, começaram movimentações internas na Prefeitura em 2014 para revisar o texto. A princípio foram convidados apenas profissionais da construção civil cadastrados no Município. Com a troca de gestão municipal o processo passou por alterações. Foi montada uma comissão multidisciplinar, com arquitetos e urbanistas, engenheiros, biólogos e advogados, que focaram, principalmente, nas pontuações do MP acerca da revisão anterior. Essa comissão realizou estudos de campo e análises de alguns índices para determinação de zoneamentos e outros parâmetros urbanísticos. Ao final deste processo interno, foram realizadas oficinas junto às demais secretarias municipais e depois oficinas abertas para a população. Concluída essa etapa, realizou-se audiência pública. Com as considerações feitas durante a audiência pública, a Comissão reviu pontos pertinentes e concluiu o arquivo final, que foi apresentado também na Câmara Municipal aos vereadores e enviado ao então Promotor. Como trabalhava na PMI, participei diretamente destes dois processos de revisão. Digo, esclarecida a minha participação, que o resultado final desta segunda revisão foi de um plano técnico com embasamento para justificar suas decisões, ainda que eu não tenha concordado com todas elas, ressalto. Após a publicidade do Plano, o executivo sofreu diversas pressões, especialmente dos setores empresariais. Ao analisar as propostas de alteração sugeridas, a Comissão técnica entendeu que não eram pertinentes e, enquanto técnicos, se recusaram a fazer quaisquer alterações que entendessem ser nocivas ao desenvolvimento da cidade. Neste momento o processo foi retirado da Secretaria de Regulação Urbana e revisado por outros setores. A princípio não foi um processo aberto à população, que ficou à parte das alterações que eram realizadas. Neste intervalo acabei me mudando para Belo Horizonte e não pude acompanhar o processo de perto. Há pouco tempo, a PMI abriu um canal de ouvidoria para que os munícipes pudessem pontuar algumas questões sobre o PD. Houve mobilização por parte de alguns vereadores no desenvolvimento de pequenos eventos online para explicar o que era o Plano Diretor, sua importância, dentre outros aspectos.

6- Por que se fala tanto da importância do Plano Diretor para a cidade e existem grandes dificuldades em dar encaminhamento a ele? Na sua opinião, qual é verdadeiramente o impacto do Plano Diretor na vida do município?

O Plano Diretor sempre é um desafio pra qualquer Município, pois ele deve colocar na balança fatores técnicos e sociopolíticos e definir parâmetros a partir deste equilíbrio. É ele, por exemplo, quem vai determinar a aplicação dos instrumentos trazidos pelo Estatuto da Cidade para controle de especulação imobiliária, distribuição dos ônus e bônus da urbanização e, de grande importância, o cumprimento da função social da cidade e da propriedade. Essa legislação municipal traz consigo a difícil tarefa de perceber os anseios dos mais diversos atores da cidade e, a partir deles, traçar objetivos práticos. O Plano direciona tanto questões que afetarão a população de forma geral, como a aplicação de recursos públicos, estratégias de crescimento econômico, definição de proteção de áreas de interesse ambiental; quanto atinge a população em escala micro, determinando como deve ser construída sua casa, quanto ela deve estar afastada do vizinho, qual altura máxima pode ter, o número de unidades habitacionais ou sua área construída total mínima e máxima.

7- Sendo tão significativo, você não acha que falta maior participação das pessoas na elaboração do Plano Diretor? Como mudar isso?

Certamente falta! A monografia da minha primeira especialização trata exatamente de uma análise da falta de participação popular na revisão do Plano Diretor de Itaúna. É um problema posto, mas a solução demanda vontade dos dois lados. A participação popular deve ser um caminho de mão dupla entre população e Município. O ente público, enquanto coordenador do processo, deve buscar, antes de tudo, envolver a população com explicações didáticas acerca do PD. Explicar como aquela lei vai afetar todas as pessoas diretamente, simplificar jargões e situações técnicas que poderiam distanciar a população leiga. É preciso primeiro saber para depois se interessar e contribuir. Num processo de revisão seria importante, por exemplo, montar estandes na praça principal da cidade, com painéis explicativos e profissionais que pudessem dar esclarecimentos simples. Canais de ouvidoria poderiam ser abertos e oficinas poderiam ser realizadas bairro a bairro. Na elaboração do Plano Diretor vigente, em 2008, foi criada uma sala próxima à PMI onde a população poderia entrar e consultar o que estava acontecendo, além de deixar opinião e sugestões. Dada a oportunidade do conhecimento, é papel da população não só se interessar, mas se inteirar do processo e participar de forma ativa, sabendo que aquilo é determinante não só para ela, mas para o Município todo nos mais diversos campos, que não só o arquitetônico ou urbanístico, mas turístico, econômico, sanitário, social, educacional e por aí vai.

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